quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Os acertos do Erro




Por incrível que pareça, as escolhas aparentemente equivocadas possibilitam caminhos preciosos para adquirir novos conhecimentos


Errar é humano e faz parte da vida, mas quem é capaz de admitir isso com tranquilidade? Por mais que a gente refute a ideia, a verdade é uma só: ele é inevitável na aprendizagem. "Durante toda a vida, estamos em processo de construção. Não existe vivência sem ensaio e o erro é necessário para orientar nossas decisões", lembra Patricia Ewbank, psicóloga de São Paulo, que nos convida a abandonar as visões distorcidas sobre o assunto. Julgá-lo de cara como algo ruim nos afasta da essência da aquisição do conhecimento, que está em constante movimento. E isso vale para quem lida com pesquisa científica, para um bebê que está descobrindo como falar, para um jovem estudante, um empresário, um dançarino...
1) É possível aprender com os erros?
Sim, é claro. Colocar o erro e o fracasso lado a lado - como causa e consequência - é fazer uma associação mecânica e preconceituosa. Aqui há um claro problema de interpretação do erro, pois a falta de acerto torna-se sinônimo de deslize, falha, fracasso, entre tantas outras possibilidades. Mas, definitivamente, não indica ausência de aprendizado, de avanço. Pelo contrário. "Erramos porque pensamos, porque buscamos saídas para resolver alguma questão e optamos por uma delas", explica Maria Cristina Pereira, coordenadora geral do Centro de Educação e Documentação para a Ação Comunitária (Cedac).O filósofo francês Gaston Bachelard (1884-1962), que lecionou na Universidade de Paris-Sorbonne, na década de 40, defendia que o conhecimento ao longo da história não deve ser avaliado pelo acúmulo, mas sim pelas rupturas e retificações que impulsionou. Em seus estudos, Bachelard mostra como o saber científico se constrói pela constante análise de tentativas mal-sucedidas. Ou seja, erro é oportunidade.
2)Como aprender com os erros?
"Não se deve, porém, aceitar ou negar os caminhos mal-sucedidos. O ideal é transformá-lo em objeto de reflexão", afirma Patricia Ewbank, psicóloga de São Paulo. Essa já era a proposta de educação de Jean Piaget (1896-1980), biólogo suíço que se dedicou à observação do processo de aquisição do conhecimento. Ele defendia que um julgamento equivocado pode levar o sujeito a modificar sua forma de pensar, enriquecendo seu repertório. Em outras palavras, a teoria piagetiana defende que o erro pode ser fonte de tomada de consciência, se avaliado corretamente. "O importante é o trajeto do pensamento e a consequência que ele traz. Aprender não significa acertar logo na primeira vez", analisa Patricia. Esses conceitos continuam vivos no mundo contemporâneo. Guy Brousseau, nome influente nos parâmetros do ensino público francês, é um dos educadores que deles se vale até hoje. Sua Teoria das Situações Didáticas traz uma concepção inovadora do tema, distante da ideia de um desvio imprevisível e encarado como um obstáculo valioso, resultado de um conhecimento anterior, que já teve sua utilidade, mas que no presente mostra-se inadequado.
3) Como aceitar melhor nossos erros?
"Muitas pessoas ainda acreditam que para serem aceitas precisam ser perfeitas e corresponder a um ideal. Esse pressuposto é muito forte e presente nos dias de hoje", diz a psicóloga Patricia. A solução para fugir dessa armadilha é ser humilde (virtude que, nem de longe, corresponde à fraqueza, mas sim à capacidade de reconhecer as próprias limitações naquele momento) e acreditar que falhas eventuais não nos diminuem. "Quem não compreende os próprios erros supervaloriza as regras de comportamento social e tende a se tornar uma pessoa rígida consigo mesma", explica a psicóloga. É necessário ainda outro ingrediente para compreender essa questão. Ou seja, precisamos nos libertar urgentemente da rígida classificação que insiste em dividir a vida em "certo" e "errado". No livro Erro e Fracasso na Escola - Alternativas Teóricas e Práticas (Summus Editorial), Yves de La Taille, especialista em psicologia moral, explica como se pode aprender com nossas falhas. É ele quem aconselha ainda a rever o conceito de corrigir nossos fracassos. Mais do que isso, a aprendizagem pode estar justamente em saber usar o erro como referência ou ainda como algo construtivo para as próximas etapas da vida. Isso nos aproxima da sabedoria, que só se instala quando conseguimos olhar para nossos erros e acertos com a mesma serenidade. Texto: Maria Clara Braz

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